De
olhos, caminhos e outras essências
“O
essencial é invisível aos olhos.”
Antoine
de Saint-Exupéry
O
que é essencial para você? Ser feliz, viver um grande amor, tocar
violão? Passar num concurso público, ter filhos, uma casa
confortável num bairro luxuoso? Ou na favela? Andar descalço pela
grama, estudar inglês, escrever um livro, compor uma música? Trocar
de carro todo ano, viajar para Paris ou para Jericoacoara? Escrever
uma tese, morar em casas separadas, fazer sexo com amor ou sem amor?
Brincar na rua, nadar no rio, montar um quebra-cabeça? Assaltar um
banco, matar um inimigo, perdoar o amigo? Participar de um “reality
show”, ser ator de teatro? De televisão? De cinema? Ou todos
juntos?
São
tantas as possibilidades, são tantos os caminhos e dentro deles
tantas direções... É difícil saber. O ser humano quer muitas
coisas, mas nem sabe o que vai ali, dentro dele. A gente tem olhos
para ver tudo o que o mundo nos oferece, mas não tem olhos para ver
o que vai dentro de nós mesmos. Não temos olhos para a essência.
Mas o que é essencial? O que é essência? Será vontade de viver,
de continuar apesar de todas as dificuldades? Será aquele “eu”
mais profundo que sequer temos noção de quem seja? Será o divino,
a consciência, a alma?
A
verdade é que vamos nos perdendo no caminho porque nos distraímos
com tantas belezas e opções. E com feiúras também. Quem nunca
estabeleceu uma meta, lutou para alcançá-la e, no final, conseguiu,
mas acabou experimentando o sabor amargo da frustração de comer um
doce estragado? E o que diríamos do menino da periferia que sempre
sonhou ter aquele relógio, aquela calça de marca, aquele carro
importado que desfila imponente e charmoso na televisão de sua casa
e acabou na prisão por ser pobre, mas gostar de “coisa boa”?
Os
olhos materiais não conseguem ver no escuro e podem escurecer na
velhice. Esses olhos podem ainda nascer escuros, mas o cego aprenderá
a viver sem eles, apesar deles. Os olhos imateriais, no entanto,
sempre nascem escuros e vão se abrindo, muito lentamente, para um
mundo embaçado, nada óbvio, repleto de labirintos e corredores
estreitos que nos levam a algum lugar, mas, geralmente, não sabemos
qual. Muitas vezes, os olhos imateriais se fecham completamente e se
fingem cegos porque a dor de enxergar é grande. Muitas vezes, eles
se acreditam cegos e usam uma bengala para caminhar pela vida,
deixando o tempo passar.
Os
olhos materiais não podem ver o essencial, mas os imateriais têm o
dom intrínseco de visualizá-lo em toda a sua plenitude, mas não o
fazem por medo, orgulho, preguiça, tédio. Enxergar o essencial
requer treino, persistência, coragem e firmeza, porque nem sempre o
que encontramos dentro de nós tem perfume colorido, gosto aveludado
e textura melodiosa.
O
que é essencial? É difícil saber, embora eu me pergunte isso quase
todos os dias. Encontro respostas temporárias e incompletas. Sei
que, no passado, aquilo que eu considerava fundamental já perdeu seu
valor. A manhã de hoje não trará as mesmas esperanças que a de
amanhã. O sol vai nascer de novo e, com ele, novos olhos vão se
abrir para vida e para o mundo, novos anseios se misturarão com
antigos sonhos não realizados. Traços marcados no papel darão
lugar a outros que nascem durante as madrugadas em que meus olhos
materiais se fecham para que os imateriais enxerguem mundos nunca
antes visitados ou revisitados cada vez que o essencial quer gritar
para ser ouvido, visto, sentido e saboreado.