domingo, 11 de novembro de 2012

Depois de um longo silêncio, estou de volta. Hoje compartilho com vocês um texto fruto dos meus eternos questionamentos. Espero que gostem.


De olhos, caminhos e outras essências

O essencial é invisível aos olhos.”
Antoine de Saint-Exupéry

O que é essencial para você? Ser feliz, viver um grande amor, tocar violão? Passar num concurso público, ter filhos, uma casa confortável num bairro luxuoso? Ou na favela? Andar descalço pela grama, estudar inglês, escrever um livro, compor uma música? Trocar de carro todo ano, viajar para Paris ou para Jericoacoara? Escrever uma tese, morar em casas separadas, fazer sexo com amor ou sem amor? Brincar na rua, nadar no rio, montar um quebra-cabeça? Assaltar um banco, matar um inimigo, perdoar o amigo? Participar de um “reality show”, ser ator de teatro? De televisão? De cinema? Ou todos juntos?
São tantas as possibilidades, são tantos os caminhos e dentro deles tantas direções... É difícil saber. O ser humano quer muitas coisas, mas nem sabe o que vai ali, dentro dele. A gente tem olhos para ver tudo o que o mundo nos oferece, mas não tem olhos para ver o que vai dentro de nós mesmos. Não temos olhos para a essência. Mas o que é essencial? O que é essência? Será vontade de viver, de continuar apesar de todas as dificuldades? Será aquele “eu” mais profundo que sequer temos noção de quem seja? Será o divino, a consciência, a alma?
A verdade é que vamos nos perdendo no caminho porque nos distraímos com tantas belezas e opções. E com feiúras também. Quem nunca estabeleceu uma meta, lutou para alcançá-la e, no final, conseguiu, mas acabou experimentando o sabor amargo da frustração de comer um doce estragado? E o que diríamos do menino da periferia que sempre sonhou ter aquele relógio, aquela calça de marca, aquele carro importado que desfila imponente e charmoso na televisão de sua casa e acabou na prisão por ser pobre, mas gostar de “coisa boa”?
Os olhos materiais não conseguem ver no escuro e podem escurecer na velhice. Esses olhos podem ainda nascer escuros, mas o cego aprenderá a viver sem eles, apesar deles. Os olhos imateriais, no entanto, sempre nascem escuros e vão se abrindo, muito lentamente, para um mundo embaçado, nada óbvio, repleto de labirintos e corredores estreitos que nos levam a algum lugar, mas, geralmente, não sabemos qual. Muitas vezes, os olhos imateriais se fecham completamente e se fingem cegos porque a dor de enxergar é grande. Muitas vezes, eles se acreditam cegos e usam uma bengala para caminhar pela vida, deixando o tempo passar.
Os olhos materiais não podem ver o essencial, mas os imateriais têm o dom intrínseco de visualizá-lo em toda a sua plenitude, mas não o fazem por medo, orgulho, preguiça, tédio. Enxergar o essencial requer treino, persistência, coragem e firmeza, porque nem sempre o que encontramos dentro de nós tem perfume colorido, gosto aveludado e textura melodiosa.
O que é essencial? É difícil saber, embora eu me pergunte isso quase todos os dias. Encontro respostas temporárias e incompletas. Sei que, no passado, aquilo que eu considerava fundamental já perdeu seu valor. A manhã de hoje não trará as mesmas esperanças que a de amanhã. O sol vai nascer de novo e, com ele, novos olhos vão se abrir para vida e para o mundo, novos anseios se misturarão com antigos sonhos não realizados. Traços marcados no papel darão lugar a outros que nascem durante as madrugadas em que meus olhos materiais se fecham para que os imateriais enxerguem mundos nunca antes visitados ou revisitados cada vez que o essencial quer gritar para ser ouvido, visto, sentido e saboreado.


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sonhos e Cores


Sonhos e cores

Francine Figueiredo

Houve um tempo em que você era o sonho adolescente. Nossos encontros na beira do rio, ao mesmo tempo que saciavam minha sede do proibido, alimentavam minha fantasia de que nos amaríamos para sempre. Eu ficava te esperando escondida debaixo da nossa árvore que, embalada pela sinfonia do vento e dos pássaros, tornou-se cúmplice das nossas juras de amor, feitas entre beijos e abraços loucos de desejo e medo. Menina ainda me descobri mulher no teu corpo e nos teus olhos que me prometiam que nada nos separaria.
Houve um tempo em que você ser tornou inalcançável. Tão comprometido com seus próprios sonhos, com suas mulheres, com suas dívidas, com tudo o que não dizia respeito a mim. Você se afastou e me deixou sozinha, ainda apaixonada, e sonhando com o dia em que você voltaria a me olhar e a me tocar, e eu me sentiria merecedora de alguma felicidade ao teu lado.
Houve um tempo em que reencontramos o amor que já havíamos sentido e nos entregamos perdidamente àquela paixão antiga, acreditando que, dessa vez, seríamos realmente felizes e nada, absolutamente nada, poderia se colocar entre nós. Eu me sentia segura, amada e feliz. Acreditávamos-nos privilegiados porque enfim conquistamos o tesouro mais precioso: um amor verdadeiro e recíproco, como imaginamos nos nossos sonhos pequeno-burgueses.
Iludidos pela falsa cumplicidade numa redoma que apresentava microscópicas rachaduras, vimos a tempestade chegar devagarinho. A chuva e as rajadas de vento nos arrebataram e destruíram precocemente o nosso jardim que ainda crescia tímido, do qual brotavam as primeiras flores pequeninas e frágeis. Os pingos grossos d'água apenas permitiam que víssemos uma imagem embaçada do outro que já não reconhecíamos. Aos poucos o solo se abriu diante de nós e um abismo nos separou definitivamente.
Agora é tempo de dar outro colorido à vida e celebrar cada minuto de felicidade que, longe de você, consegui recuperar. Diante dos meus olhos aparece um quadro que me lembra as cores fortes de Van Gogh: a imagem de um casal de namorados numa mesa de um restaurante. Ele coloca a aliança no dedo dela: promessa de amor, de vida em comum, de alegria, de consenso. As taças de vinho se encontram num gesto que representa, simultaneamente, o sagrado e o profano. Eles sairão dali para se aventurarem em uma nova tela cujo cenário será a floresta misteriosa do amor. Ali eles se descobrirão, um ao outro e a si mesmos. E como Adão e Eva, viverão o paraíso e o inferno. O ciclo recomeça. EU recomeço.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Os fantasmas de Soninha

Glaucia Fontes

 

Quando eu comecei a namorar Soninha ela era espirituosa. Gostávamos de viajar, fazer trilhas, saíamos  para dançar e gostávamos das mesmas bandas de rock. Éramos um casal alegre e nos entendíamos muito bem. A única coisa que me deixava chateado era a insistência dela em que eu participasse dos almoços nos Domingos na casa da tia Valquíria. Eu passava a semana toda gravando meus seriados preferidos para assistir aos Domingos e aí vinha a Soninha dizendo que eu tinha que ir ao almoço da família porque iam perguntar por mim e era educado que eu fosse. Eu tentava arrumar desculpas, dizia que tinha planilhas e relatórios da empresa para terminar mas a Soninha ficava emburrada e eu acabava cedendo.

Já naquela época notava uma certa atração da Soninha pelo espelhinho que ficava à frente do seu banco. Toda vez que a Soninha entrava no carro abaixava o espelho. Eu perguntava se ela ia passar alguma maquiagem e ela dizia que não mas que gostava que o espelho ficasse abaixado para que pudesse ajeitar o seu cabelo. O fato é que Soninha não só passava o trajeto todo mexendo o cabelo como também conversava comigo olhando para o espelho e muitas vezes até me dava respostas evasivas de tão concentrada que estava na menina do espelho.

No início eu achava até um pouco engraçado  esse estranho hábito da Soninha até que uma vez perdi  a paciência quando fui fazer uma ultrapassagem e percebi que o meu retrovisor lateral que ficava no lado da Soninha não estava no meu campo de visão. Concluí depois de quase bater  que o espelho estava  no campo da visão da Soninha e ela tinha então dois ângulos para se olhar no carro. Naquele dia eu briguei feio com ela. Soninha foi chorando até  em casa e nem me despedi quando ela abriu a porta e disse um tchau meio cabisbaixa. Dei partida  e fui embora.

No dia seguinte acordei meio mal. Achei que fui duro demais com a Soninha. Passei numa loja, comprei um porta-joias  do tipo que tem um espelho dentro e fui levá-lo para ela. Conversamos e ela prometeu que jamais mexeria novamente no retrovisor lateral e acabamos a noite muito bem como sempre acabávamos.

O tempo foi passando. Eu acabei incorporando à minha rotina os almoços na casa da tia Valquíria e a estranha mania de Soninha de falar comigo olhando para o espelho quando estava no carro. Resolvemos casar. Escolhemos o apartamento, mobiliamos, fizemos uma grande festa e uma  bela viagem de lua de mel.

Ao retornar da viagem e entrar a primeira vez em nosso apartamento fiquei espantado. Três das quatro paredes  da sala e do quarto estavam revestidas com espelhos, ou seja, eram paredes de espelhos restando apenas a que tinha janela.



quinta-feira, 14 de junho de 2012

MINI-CONTO


  
Ponto cego


Francine Figueiredo

Chegou cansada e com frio. Resolveu fazer um chá para esquentar. Despejou um pouco da erva doce no fundo de uma xícara grande. Colocou a água para ferver. Resolveu dar uma espiada na janela. A noite estava fria, mas agradável. Seu apartamento ficava de frente para uma rua de mão dupla, a essa hora, com pouco movimento. Do outro lado, havia um prédio de apartamentos. Não reparou quando a luz do quarto em frente se ascendeu porque um carro cheio de fumaça parou em frente ao outro prédio.
O dono saiu do carro apressado. Abriu o capô. Uma nuvem branca cobriu tudo em volta. Um carro, depois outro e mais outro pararam atrás. Logo uma extensa fila se formou. As buzinas começaram a soar, seguidas de gritos e xingamentos. Quanta gente nervosa, meus Deus! Mais nervoso estava o dono do carro que fervia. Aliás, todas as pessoas envolvidas naquela cena aparentemente banal entraram em estado de ebulição. O dono do carro foi para a calçada. Falava ao celular com alguém.
Sem querer dirigiu o olhar para um quarto no prédio em frente. Uma mulher estava deitada, estirada na cama. Os pés largados cada um para um lado. A cortina estava aberta, mas somente era possível ver as pernas e os pés da mulher. Um homem entra no quarto com uma chaleira na mão. Para na porta. Fica alguns instantes de pé, olhando para a mulher que parecia estar dormindo. Ele entra e dirige-se à cabeceira da cama. O ponto cego. Ela vê as pernas e os pés da mulher tremerem e, em seguida, voltarem ao mesmo estado de inércia de antes. O homem sai do quarto com a chaleira na mão e desliga a luz.
A água do chá! Ela volta para cozinha e, quando chega perto da panela, só há vapor. Coloca mais água no fogo. Enquanto vigia a fervura, pensa no que poderia ter acontecido com a vizinha em frente. Quer voltar à janela, mas sente medo. Era melhor não olhar mais.
No dia seguinte, acorda com o barulho de uma ambulância. Dirige-se à janela e vê o corpo de uma mulher sendo levado numa maca. Muita gente em volta. Uma policial conversa com o porteiro e toma notas. Pessoas conversam em pequenos grupos. Uma senhora leva a mão à boca e arregala os olhos. Olha então para a janela em frente. A cortina está fechada. Sente culpa porque ficou inerte. A mesma inércia da mulher deitada na cama.
Certamente a polícia interrogará os vizinhos dos apartamentos ao lado para saber se alguém ouviu alguma coisa. Será que iriam interrogar os moradores do prédio em frente? Escovou os dentes, lavou o rosto. Vestiu uma calça jeans e uma camiseta. Antes de descer, tomou um longo copo d'água bem fria.

terça-feira, 12 de junho de 2012


Muito prazer

Francine Figueiredo

Muito prazer em conhecê-lo. Não sei seu nome, mas, dia sim, dia não, encontro com você em “flashes” do passado, em uma boca que não beijo mais, nos olhos e nos braços musculosos do professor de ioga, no bom caráter do ex-colega de faculdade que se formou um semestre depois da turma porque queria fazer a monografia final quando não era obrigatória, na inteligência do aluno de Direito que fez mestrado nos Estados Unidos e resolveu voltar para ser professor na Universidade em que estudou, no bom humor e na sensibilidade do namorado de adolescência, na alegria e simpatia do colega de trabalho que sempre chega sorrindo, nos cabelos e na voz doce e eloquente do professor de literatura...
Não sei se você é de outro planeta, se já viveu um romance comigo em vidas passadas, se ainda não nasceu, se mora em outra cidade ou outro país. Vejo-o no meio de tantos homens e, ao mesmo tempo, você não é nenhum deles. Se, por um lado, sinto-me ainda um fruto verde, insegura e despreparada para a vida, por outro, vejo-me madura o suficiente para tentar não errar de novo. Pelo menos, não cometer os mesmos erros. Prefiro observar porque a razão é meu esteio agora.
Ando solta, meio sem regras, sem rotina certa. Na verdade, não quero saber das regras que costumo inventar para mim mesma. Tenho me aborrecido com cobranças e horários. Não quero me exigir nada, nem me julgar, nem pensar no que eu tenho que fazer. Mas, lá no fundo, sei que vai chegar uma hora em que não poderei fugir. Você vai chegar com suas verdades e sentirei vontade de buscá-las dentro das minhas. Essas verdades nos guiarão no meu e no seu deserto. Lugar em que poderemos estar juntos sem deixar de ser quem somos; confiar no outro de olhos bem abertos; ser cúmplices de nossos crimes públicos e secretos.
Não quero ter que imaginar quem você é porque teria que mergulhar de novo no abismo da minha alma e me deparar com criaturas feias e belas. Por isso digo apenas: “Nice to meet you” ou “Mucho gusto” porque, por ora, me contento em olhá-lo nos olhos de todos sem saber qual é a cor dos seus, em tentar lembrar de um cheiro que se pareça com o seu, em não me permitir ser tocada por ninguém porque quero suas mãos. Por ora me basto, por ora estou apaixonada por mim. Estou vivendo um grande caso de amor comigo mesma.
Talvez um dia você bata à minha porta, ou eu bata à sua. Talvez nos encontremos na rua, em uma praça, em uma festa. Neste dia, quem sabe, eu estarei pronta para as minhas verdades, para as suas verdades. E, quem sabe, possamos criar juntos a nossa verdade.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Escrevi esta crônica um pouco antes de Ingrid Betancourt, ex-senadora colombiana sequestrada pelas FARC, ser libertada. Na época, eu era casada com um colombiano naturalizado brasileiro, que vive aqui no País há mais de trinta anos, e fazia pouco tempo que havíamos ido à Colômbia para que eu conhecesse toda a família dele. Tive a oportunidade de conhecer de perto, não só a alegria, os costumes e o jeito de viver dos colombianos "costeños", que vivem no ou perto do litoral, como ouvir e ler as histórias sobre o conflito entre traficantes, guerrilha, paramilitares, governo e população. Este texto nasceu depois que assisti a uma peça de teatro encenada, no Centro Cultural do Banco do Brasil-Brasília, pela atriz colombiana, radicada no Brasil, Carolina Virguez. Puedo afirmar seguramente que la historia de los colombianos no solo ha atravesado mi vida sino también hace parte de ella.

Colombia, tierra querida”

Francine Figueiredo

 
Um cômodo pequeno, sem janela; paredes cobertas de lodo e enegrecidas pela umidade; uma mesa de madeira quadrada e uma cadeira; um buraco no teto por onde os raios de sol se atrevem a iluminar a escuridão da selva; uma portinhola que se abre do chão com um pouco de comida, água e jornais velhos; em um canto da parede, recortes de fotos e notícias, antigas e novas.
Uma mulher que lutou, diariamente, para sobreviver a seis longos anos de cárcere. Uma mulher que retornou às suas origens para tentar sentir toda a dor e a agonia de um coração enfurecido e acorrentado. Duas mulheres unidas pelo amor ao seu país, pela crença sincera de que precisavam fazer a sua parte.
Em algum lugar no meio da Amazônia colombiana, ainda ressoa a “cumbia”, que embalou a dança solitária de Ingrid no cativeiro. A mente libertária que governa o corpo raquítico, enfraquecido e doente, mas vivo. O coração atordoado e dolorido, mas pulsante. “Soy colombiana”. Por trás de cada gesto, de cada palavra pronunciada por Carolina/Ingrid, o apelo da Colômbia pela paz.
Carolina Virguez, atriz colombiana radicada no Brasil, não é apenas a voz de Ingrid Betancourt, que atravessou a floresta e rompeu fronteiras; mas também a voz que clama pela liberdade roubada em nome de um ideário perdido, o corpo e a mente que agora tentam traduzir a realidade nua e crua dos cativeiros revolucionários colombianos.
Quem nunca teve sua vida sequestrada jamais conseguirá sentir ou sequer imaginar todas as dores que Ingrid sentiu. Mas é impossível não admirar a força e o amor de Ingrid pela Colômbia. E quem tiver a oportunidade de olhar um pouco mais de perto, verá que os colombianos são assim: fortes, destemidos, guerreiros. E, sobretudo, amam intensamente sua pátria.
Tierra querida”: frase da “cumbia” que Ingrid ouvia e dançava no cativeiro. “Tierra querida”: o país de Ingrid, de Carolina, dos colombianos sequestrados, revolucionários, paramilitares, traficantes, e dos colombianos comuns, que querem paz para ouvir suas músicas, dançar e beber muito rum nas “parrandas” que insistem em anoitecer e amanhecer nos lares “de los “pueblos”, nas ruas movimentadas de Bogotá e Medellín, nas praias do Caribe Colombiano, no carnaval de Barranquilla...

 

sábado, 2 de junho de 2012

AMOR ATRAVÉS DOS TEMPOS

Este é um dos meus poemas preferidos. Reencontrar o mesmo amor durante existências sucessivas pode ser uma ideia que não agrade tudo mundo, mas Drummond tratou disso com muito humor e com final feliz.

Balada do amor através das idades

Carlos Drummond de Andrade
"Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana, mas não Helena.
Saí do cavalo da pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano.
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando ia te pegar 
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos."


quarta-feira, 30 de maio de 2012

No dia 28 de maio último, o Superior Tribunal de Justiça noticiou que a Comissão de juristas que está preparando o anteprojeto do novo Código Penal, presidida pelo Ministro Gilson Dipp, está propondo uma inovação: o instituto da barganha, que permitirá que um processo judicial já em curso possa ser encerrado por acordo entre as partes – acusador e acusado.
Atualmente, existe a suspensão condicional do processo e a transação penal, previstas na Lei n.º 9.099/90, em que o acordo só é possível para alguns tipos de crimes e antes de o processo ser instaurado. Hoje, uma vez iniciado o trâmite judicial, ainda que haja acordo entre Ministério Público e acusado, não é possível interromper ou encerrar o processo.
Segundo a proposta da Comissão, o acusado deve confessar o crime total ou parcialmente e a quantidade da pena imposta não deve autorizar regime inicial fechado.
Em resumo, a tal proposta amplia as possibilidades de acordo entre o réu e o acusador porque abrange, não somente os crimes de menor potencial lesivo, já previstos na Lei n.º 9.099/90 e na Lei n.° 10.259/01, como os considerados de médio potencial ofensivo.
Trata-se de uma inovação que visa dar agilidade aos processos judiciais criminais e diminuir o contingente penitenciário, reservando os presídios aos apenados mais perigosos.
Além dessa, a Comissão tem apresentado outras propostas interessantes e, no "site" do Senado (http://www.senado.gov.br/), a população pode oferecer suas sugestões. Se vocêm tem alguma, não deixe de apresentá-la.
Un poema de Pablo Neruda muy conocido

"Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós."



Progressos e retrocessos

Ontem participei de uma conversa sobre filosofia e rock. E não imaginava o quanto um simples bate-bapo pudesse me trazer tanta inquietação. Eu, que passei por um longo processo de busca de paz interior e achei que tivesse alcançado meu objetivo, fui tomada por uma onda de questionamentos sem fim a respeito da minha vida, das escolhas que fiz no passado e que continuo tendo que fazer todos os dias, do modo como fui criada pelos meus pais, dos valores que eles me passaram, das minhas crenças sobre religião, profissão, dinheiro, sucesso, relacionamento, homens, mulheres, felicidade e amor.
São inúmeras perguntas que me fizeram pensar, que fizeram emergir novamente uma indignação que está latente dentro mim. Ela vem e volta. Recrudesce e arrefece de tempos em tempos. Não se trata de questões hormonais, nem de “tpm”. Meu anticoncepcional resolve isso para mim. O meu problema é de alma mesmo. Alma inquieta, questionadora, indignada com um milhão de coisas. E para completar, tive que ler no “facebook” um comentário terrivelmente antiquado e machista, de que a esposa tem respeitar a autoridade do marido e que as mulheres são frágeis... Quase caí dura! Um rapaz jovem, em pleno século XXI, dizendo uma bobagem dessas! Será que ele nasceu de chocadeira? Ou será que a mãe dele não sentiu dor nenhuma para que ele viesse ao mundo? O que acontece na criação dos meninos que fazem eles se esqueceram de que a mãe deles é uma mulher?
Voltando à conversa filosófica, aprendi que o rock foi um movimento não só musical, mas sobretudo cultural. Porém, há quem defenda que não há nenhum tipo de conceito subjacente ao rock. É simplesmente música (ou barulho) e ponto final. Aprendi também que o rock representou e representa até hoje irreverência, marginalidade, delinquência, liberdade sexual, e esbanjamento de uma energia (quase) incontrolável que o ser humano tem dentro de si, um desejo visceral de ser alegre, de curtir a vida, mas também de ser o que ele é. Mas o que o ser humano é?
Ouvi que alguns astros legendários do rock como Elvis Presley foi engolido pelo “sistema”. A música de Elvis tem origem no “blues” americano e, portanto, sua origem é negra. Seus movimentos sensuais dos quadris e das pernas provocavam escândalo. Na televisão, ele aparecia apenas da cintura para cima. Era um homem branco cantando e dançando música de negros. Porém, ao logo da sua carreira, suas músicas e seu gingado foram ficando cada vez mais “esbranquiçados”, sem graça, sem brilho. Ele foi abandonando aos poucos a inspiração africana, e a si mesmo.
De lá pra cá, a humanidade se banhou em muitos rios, os ânimos parecem ter arrefecido. Muitas bandas de rock começaram, fizeram um estrondoso sucesso e terminaram. No Brasil, o RPM é um exemplo emblemático. Os Rolling Stones, entretanto, surgidos na década de sessenta, resistiram a todas as tempestades, às drogas, às crises existenciais e econômicas. Estão planejando uma nova turnê. Hoje eles têm completo domínio financeiro e administrativo da banda. Dizem os entendidos que Mick Jagger sempre teve uma visão muito racional do que precisava ser feito ou não para garantir o sucesso dos Stones. Ele chegou a frequentar a curso de Economia. Dizem que talvez isso explique o motivo da existência da banda até hoje e de ainda fazerem tanto sucesso, inclusive entre as novas gerações.
Diferente de Elvis, os Rolling Stones não foram engolidos pelo sistema. Eles encontraram uma forma de se adaptar a ele, de tirar dele aquilo que lhes pode ser útil. Eles sobreviveram. Quem viu shows recentes da banda, afirma que Mick Jagger tem uma energia invejável para um senhor de quase setenta anos. É a energia do rock. Será que eles conseguiram continuar sendo eles mesmos? Irreverentes, alegres, talvez menos drogados – mas ainda drogados –, com muita energia para esbanjar e distribuir para as multidões sedentas de vida e de música?
Mas o que tudo isso tem a ver comigo? Com os progressos e retrocessos da humanidade? Eu carrego dentro de mim essa irreverência, nascida de uma profunda indignação como o status quo, com qualquer tipo de repressão, de preconceito, de inferiorização do outro. Eu carrego dentro de mim uma delinquência contida. Verdadeiro paradoxo, porque, como servidora pública, tenho o poder de dizer quem pode ou não ficar na cadeia, recebo pedidos escritos de próprio punho dos detentos que asseguram que são inocentes e perdem perdão, inclusive, pelo crime que cometeram. E muitas vezes, digo “não”, “você via continuar preso, porque você é uma ameaça à sociedade”.
Na época do “Woodstock”, os jovens que queriam um outro mundo, uma outra sociedade, mais solidária, política e ecologicamente correta e sobretudo sexualmente livre, eram considerados marginais e libertinos. Acredito que, desde esse último ponto de vista, os jovens alcançaram seu objetivo porque a sexualidade já não é uma bandeira.
Contudo, a liberdade sexual das mulheres, obtida com a pílula anticoncepcional, e as conquistas de postos de trabalho, antes ocupados exclusivamente pelos homens, e de salários (nem sempre) iguais aos deles, se por um lado, deu-nos a tão aclamada independência financeira, por outro, ainda não puderam nos livrar da pecha de cidadãs de segunda categoria. A prova disso é o comentário postado no “facebook” pelo rapaz do século XXI de que falei.
Saí da conversa sobre filosofia e rock com uma sensação incômoda de que o “sistema”, do qual o machismo faz parte, engoliu todo mundo. E o barulho do rock não suficientemente forte para derrubar os muros medievais, já visivelmente ruídos pelo tempo, pelo simples fato de que o ser humano não caminha sempre para frente. Muitas, muitas vezes, caminhamos para trás, num saudosismo patético e inútil. Parece que ainda não despertamos para o fato de que o presente é o nosso momento. É aqui e agora que temos que fazer a nossa história, dar o melhor que temos. Infelizmente, só conseguimos repetir os erros do passado, cometidos pelos nossos pais e avós e por nós mesmos. Assim caminha a humanidade!
Apesar de tudo, não posso, não consigo, não quero acreditar que o “sistema” me venceu. A minha indignação é o alimento da alma inquieta que carrego neste corpo “frágil” de mulher. A minha capacidade de pensar e de questionar é o que me move para me permitir algum tipo de felicidade neste mundo dominado pelo dinheiro, pelo consumismo, pelas convenções, pelos preconceitos, pela violência, pela crueldade que o ser humano ainda traz consigo e da qual é vítima todos os dias. Se Elvis não morreu e os Rolling Stones ainda conseguem fazer pularem multidões, eu estou muito viva e disposta a fazer muito barulho.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Um dos meus escritores preferidos: Machado de Assis. Há mais ou menos três ou quatro anos, li o conto "Pai Contra Mãe" que me emociou muito. Li para alguns colegas de trabalho e foi uma polêmica danada! Uns ficaram a favor do pai, outros, da mãe. Convido vocês a conhecerem essa história comovente em que Machado consegue captar, a sua maneira única, a alma humana e seus eternos dilemas.
O conto ambienta-se no Rio de Janeiro do século XIX, antes da abolição da escravatura, que serve de pano de fundo para a narrativa. Conta a história de Cândido, um homem que leva a vida como caçador de escravos fugidos. Ele casa-se e tem um filho com sua esposa, porém, em razão da escassez de escravos fugidos, começa a passar dificuldades financeiras. Cândido então sai com o seu filho para colocá-lo na Roda dos Enjeitados. No meio do caminho, encontra uma escrava grávida, a qual implora para que não seja entregue, pois não quer que seu filho seja um escravo. Será que Cândido se sensibilizará, pois também é pai? O autor mostra a miséria humana por meio dos dramas de um pai contra uma mãe, lutando por duas vidas.

Caros amigos e visitantes,
Este é um espaço em que quero compartilhar notícias culturais, literatura, temas políticos, jurídicos, filosóficos, opiniões e tudo aquilo que faz parte não só do meu cotidiano mas do de vocês também.
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Ah! Esta é uma das minhas árvores prediletas: o ipê. Este é o amarelo, mas gosto muito também do roxo e do branco. São árvores típicas do cerrado que tem uma característica muito peculiar e muito bela: eles florecem durante a seca do cerrado, que geralmente vai do mês maio até fins de setembro. É uma árvore que impressiona pela beleza e pela força: no pior período da seca, quanto faz muito calor e as pessoas mal conseguem respirar, eles ficam assim: floridíssimos! Esta foto foi tirada de um ipê em São Jorge - Chapada dos Veadeiros-GO, no mês de agosto.