sexta-feira, 15 de junho de 2012

Os fantasmas de Soninha

Glaucia Fontes

 

Quando eu comecei a namorar Soninha ela era espirituosa. Gostávamos de viajar, fazer trilhas, saíamos  para dançar e gostávamos das mesmas bandas de rock. Éramos um casal alegre e nos entendíamos muito bem. A única coisa que me deixava chateado era a insistência dela em que eu participasse dos almoços nos Domingos na casa da tia Valquíria. Eu passava a semana toda gravando meus seriados preferidos para assistir aos Domingos e aí vinha a Soninha dizendo que eu tinha que ir ao almoço da família porque iam perguntar por mim e era educado que eu fosse. Eu tentava arrumar desculpas, dizia que tinha planilhas e relatórios da empresa para terminar mas a Soninha ficava emburrada e eu acabava cedendo.

Já naquela época notava uma certa atração da Soninha pelo espelhinho que ficava à frente do seu banco. Toda vez que a Soninha entrava no carro abaixava o espelho. Eu perguntava se ela ia passar alguma maquiagem e ela dizia que não mas que gostava que o espelho ficasse abaixado para que pudesse ajeitar o seu cabelo. O fato é que Soninha não só passava o trajeto todo mexendo o cabelo como também conversava comigo olhando para o espelho e muitas vezes até me dava respostas evasivas de tão concentrada que estava na menina do espelho.

No início eu achava até um pouco engraçado  esse estranho hábito da Soninha até que uma vez perdi  a paciência quando fui fazer uma ultrapassagem e percebi que o meu retrovisor lateral que ficava no lado da Soninha não estava no meu campo de visão. Concluí depois de quase bater  que o espelho estava  no campo da visão da Soninha e ela tinha então dois ângulos para se olhar no carro. Naquele dia eu briguei feio com ela. Soninha foi chorando até  em casa e nem me despedi quando ela abriu a porta e disse um tchau meio cabisbaixa. Dei partida  e fui embora.

No dia seguinte acordei meio mal. Achei que fui duro demais com a Soninha. Passei numa loja, comprei um porta-joias  do tipo que tem um espelho dentro e fui levá-lo para ela. Conversamos e ela prometeu que jamais mexeria novamente no retrovisor lateral e acabamos a noite muito bem como sempre acabávamos.

O tempo foi passando. Eu acabei incorporando à minha rotina os almoços na casa da tia Valquíria e a estranha mania de Soninha de falar comigo olhando para o espelho quando estava no carro. Resolvemos casar. Escolhemos o apartamento, mobiliamos, fizemos uma grande festa e uma  bela viagem de lua de mel.

Ao retornar da viagem e entrar a primeira vez em nosso apartamento fiquei espantado. Três das quatro paredes  da sala e do quarto estavam revestidas com espelhos, ou seja, eram paredes de espelhos restando apenas a que tinha janela.



Um comentário:

  1. Achei fantástico este conto. Uma história simples, mas muito bem contada.

    ResponderExcluir