Sonhos
e cores
Francine
Figueiredo
Houve
um tempo em que você era o sonho
adolescente. Nossos encontros na beira do rio, ao mesmo tempo que
saciavam minha sede do proibido, alimentavam minha fantasia de que
nos amaríamos para sempre. Eu ficava te esperando escondida debaixo
da nossa árvore que, embalada pela sinfonia do vento e dos pássaros,
tornou-se cúmplice das nossas juras de amor, feitas entre beijos e
abraços loucos de desejo e medo. Menina ainda me descobri mulher no
teu corpo e nos teus olhos que me prometiam que nada nos separaria.
Houve
um tempo em que você ser tornou inalcançável. Tão comprometido
com seus próprios sonhos, com suas mulheres, com suas dívidas, com
tudo o que não dizia respeito a mim. Você se afastou e me deixou
sozinha, ainda apaixonada, e sonhando com o dia em que você voltaria
a me olhar e a me tocar, e eu me sentiria merecedora de alguma
felicidade ao teu lado.
Houve
um tempo em que reencontramos o amor que já havíamos sentido e nos
entregamos perdidamente àquela paixão antiga, acreditando que,
dessa vez, seríamos realmente felizes e nada, absolutamente nada,
poderia se colocar entre nós. Eu me sentia segura, amada e feliz.
Acreditávamos-nos privilegiados porque enfim conquistamos o tesouro
mais precioso: um amor verdadeiro e recíproco, como imaginamos nos
nossos sonhos pequeno-burgueses.
Iludidos
pela falsa cumplicidade numa redoma que apresentava microscópicas
rachaduras, vimos a tempestade chegar devagarinho. A chuva e as
rajadas de vento nos arrebataram e destruíram precocemente o nosso
jardim que ainda crescia tímido, do qual brotavam as primeiras
flores pequeninas e frágeis. Os pingos grossos d'água apenas
permitiam que víssemos uma imagem embaçada do outro que já não
reconhecíamos. Aos poucos o solo se abriu diante de nós e um abismo
nos separou definitivamente.
Agora
é tempo de dar outro colorido à vida e celebrar cada minuto de
felicidade que, longe de você, consegui recuperar. Diante dos meus
olhos aparece um quadro que me lembra as cores fortes de Van Gogh: a
imagem de um casal de namorados numa mesa de um restaurante. Ele
coloca a aliança no dedo dela: promessa de amor, de vida em comum,
de alegria, de consenso. As taças de vinho se encontram num gesto
que representa, simultaneamente, o sagrado e o profano. Eles sairão
dali para se aventurarem em uma nova tela cujo cenário será a
floresta misteriosa do amor. Ali eles se descobrirão, um ao outro e
a si mesmos. E como Adão e Eva, viverão o paraíso e o inferno. O
ciclo recomeça. EU recomeço.